Desde criança que sinto um certo fascínio por aves e pássaros; o cantar do galo, o chamamento da galinha choca a proteger os seus filhotes, o melro preto, sempre activo, à procura de comida para alimentar os seus filhotes (e não hesita em roubar a comida da minha cadela), a azáfama incansável dos passarinhos, construindo os seus ninhos nas árvores do meu jardim, a alegria dos canários e pintassilgos que chegam em bandos quando a minha Radermachera sinica está cheia com as sementes que eles tanto apreciam, a toutinegra, sempre territorial, que canta durante horas na época de acasalamento e que, apesar da sua estatura pequena, consegue afastar da árvore que escolheu para fazer o seu ninho, outras aves de maior porte. Nunca me canso de observá-los ano após ano!
O Chico
Nunca pensei que este fascínio fosse hereditário. Herdei-o da minha mãe e passei-o para o meu filho que desde pequeno mostrou interesse por estes seres maravilhosos. Por isso ofereci-lhe um galo ‘palheiro’, o Chico que foi, enquanto viveu, a mascote do jardim. Era também um vigia muito atento a tudo o que se passava à sua volta. Quem visitava o meu jardim era sempre recebido com um bater de asas seguido por um canto muito invulgar, que começava com toda a pompa e circunstância, mas acabava sempre engasgando-se no fim da melodia. Atrevo-me a dizer que o Chico era o galo mais carismático aqui da ilha.
Quando solto as minhas galinhas no jardim, noto que vão sempre procurar os seus alimentos favoritos. Sabem perfeitamente diferenciar as plantas venenosas das que podem comer sem risco. Usam os seus sentidos, em particular a visão, para procurar comida. As aves, e pássaros em geral, têm uma visão muito apurada, conseguem ver tonalidades que são invisíveis para o ser humano.
Nós, humanos, também temos a capacidade de procurar os alimentos que necessitamos. Os nossos sentidos são utensílios indispensáveis para a nossa sobrevivência. Não é por acaso que as crianças têm normalmente aversão a alimentos de sabor amargo pois, instintivamente, sabem que os venenos têm normalmente um gosto amargo. Os açúcares, pelo contrário são uma fonte importante para produzir energia. Além do instinto, aprendemos com os nossos pais a apreciar outros sabores e a aumentar o leque de alimentos que podemos consumir sem perigo. Confiamos nos nossos instintos quando se trata de satisfazer as nossas necessidades fisiológicas, mas temos uma outra capacidade que ainda não damos a importância devida.
Para fazer face a deficiências nutritivas estamos munidos de um utensílio muito importante, um ‘sistema de alarme’ que nos faz procurar alimentos ricos nos nutrientes em falta. O desejo de ingerir determinados alimentos é uma forma de repor nutrientes que estão deficientes no corpo. É na interpretação destes sinais de alerta que está a diferença entre ceder a um impulso ou procurar os alimentos que realmente necessitamos. Se identificarmos os nutrientes principais nos alimentos que não resistimos a consumir, podemos facilmente encontrar o que está em falta no nosso corpo.
– Quando nos sentimos com pouca motivação o chocolate, queijo ou pickles são alimentos que nos fazem sentir melhor. O chocolate com leite é rico em fenilalanina que o nosso corpo usa para produzir dopamina e norepinefrina, melhora o humor e tem uma acção estimulante. Comidas fermentadas, pickles, queijo e algumas bebidas alcoólicas são ricas no aminoácido tiramina que é também percursor de dopamina no nosso corpo.
– Se nos sentimos compelidos a procurar alimentos como a couve, cebola, alho e ovos é provável que o nosso corpo esteja com dificuldades em eliminar toxinas. Estes alimentos são ricos em enxofre que estimula o fígado e ajuda a eliminar substâncias tóxicas. Ao mesmo tempo tem uma acção antioxidante reduzindo a inflamação.
– O amendoim é muito rico em arginina, um aminoácido com diversas funções no nosso corpo; reduz o colesterol, baixa os níveis de açúcar no sangue e estimula a desintoxicação do álcool. Não é por acaso que o amendoim é o acompanhamento preferido para acompanhar a ‘poncha’ madeirense, pois não só reduz a intoxicação como também previne os sintomas de ressaca no dia seguinte.
– Nos tempos de inverno mais sombrios a absorção de vitamina D através da pele é reduzida. A deficiência desta vitamina provoca sintomas de cansaço e exaustão. É normal nesta época do ano termos preferência por alimentos ricos nesta vitamina, como a batata, cogumelos e cavalas.
– Quando estamos exaustos fisicamente os nossos músculos são os mais afetados. Alguns aminoácidos são importantes para recuperar a força física e reduzir a fadiga associada a esta condição. É normal, nesta situação, procurarmos alimentos ricos em citrulina como o pepinos, melão e melancia. Este aminoácido além de ser convertido em arginina no corpo, ajuda também a recuperar os músculos afetados.
– A deficiência de vitamina C faz-nos ter vontade de beber sumo de laranja. Além das muitas funções da vitamina C, esta é também uma vitamina importante para produzir colagénio.
Infelizmente a tarefa de identificar os alimentos que necessitamos é cada vez mais difícil devido à forma como muito alimentos são preparados. A indústria alimentar, em particular as empresas que vendem fast food, adicionam aditivos à comida para alterar o sabor, enganando assim propositadamente as nossas papilas gustativas. Como exemplo, o MSG (Monosodium glutamate) mimetiza o sabor das proteínas o que estimula o sabor umami, torna a comida mais apetitosa mas faz-nos consumir alimentos pobres em nutrientes.
Andamos sempre à procura de culpados para justificar alguns problemas de saúde. Com a esperança de melhorar a nossa dieta corta-se no queijo, nos lacticínios, nas proteínas, no glúten, nas gorduras, nos açúcares… E se, em vez de eliminar certos alimentos, passarmos a dar mais atenção ao que o nosso corpo realmente precisa?
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